terça-feira, janeiro 31, 2006
As folhas soltas lembravam que uma rajada de vento norte invadira a sua existência e a transformara em algo melhor. Do caderno pautado restava agora uma capa dura e preta como que a lembrar-lhe que uma capa de nada serve sem o que está dentro dela. Neste caso folhas... ou dias da sua vida. Não sabia bem!
segunda-feira, janeiro 30, 2006
É assim como se algo de muito importante estivesse a acontecer e eu tivesse que absorver cada segundo daquele momento. As imagens eram cinematográficas, o frio a entrar-me dentro da roupa e eu a correr para fugir dele. Tentava captar a atmosfera. Tentava prolongar o que já havia acabado. E mesmo depois de acabar, a sensação ainda perdurava.
A memória é uma coisa maravilhosa, oxalá nunca a perca!
quinta-feira, janeiro 26, 2006
- Um espelho. É isso: és o meu espelho! Quando olho para ti, revejo-me. Pensas como eu, falas como eu, gostas do que eu gosto... pode existir algo mais sublime que isto?
- Sim. Pode. Essa cena de te reveres em mim e tal é uma ganda seca. Eu sempre andei com miúdas diferentes de mim e aí que 'tava a pica da coisa, percebes? Acho que é melhor eu bazar...
E saiu, bazou, foi-se, evaporou-se e foi a melhor coisa que lhe podiam ter feito!
terça-feira, janeiro 24, 2006
Temos pena que não preencha os requisitos pretendidos. Tem o perfil certo para ocupar um lugar de destaque em qualquer Companhia internacional. Tem uma personalidade forte digna de qualquer vencedor. As suas habilitações estão acima da média exigida. Lamentamos apenas que não seja da família do sr. Doutor....
sexta-feira, janeiro 20, 2006
Seguia sempre em frente. Empinava o queixo, alargava o passo e balançava um pouco as ancas. Sonhava ser resgatada por um magnata árabe e estava até disponível para conversão religiosa. Segurava a carteira com elegância e, mesmo na pastelaria do bairro, comia sempre de boca fechada!
Era infeliz, mas disfarçava muito bem!
quinta-feira, janeiro 19, 2006
quarta-feira, janeiro 18, 2006
À margem dos dias reconstrói-se a vida. Como seria sentir? Qual era a palavra? À margem da vida reconstroem-se os dias dos rostos felizes.
segunda-feira, janeiro 16, 2006
A fachada do edifício permanecia lá. Intacta. Todos passavam e admiravam a sua imponência. Por trás eram só ruínas. Ervas daninhas, pedaços de parede caídos no chão e uma sujidade atroz. Alguns animais povoavam os espaços e davam-lhe uma vida deprimente.
Era só uma casa, mas podia muito bem ser a vida de alguém.
sexta-feira, janeiro 13, 2006
A solidão é um estado que se carrega, pesadamente, através dos dias. De todos os dias, independentemente de quem está à tua volta!
quinta-feira, janeiro 12, 2006
Dantes a minha vida era um carrossel de emoções. Agora é uma vida tranquila e isso aborrece-me. Quando, finalmente, acontece qualquer coisa de emocionante irrito-me e preferia que estivesse tudo calmo. Mas com a calma sinto-me bored to death...
Vá lá alguém entender as mulheres!
quarta-feira, janeiro 11, 2006
E nos dias em que se sentia menos enérgico preferia parar. Fechava-se em casa. Desligava o telefone e lia. Escolhia, com cuidado, um livro que o tirasse da realidade e consumia-o até à última página. Parava apenas para tomar umas refeições ligeiras que ele próprio preparava.
Mês a mês os dias de paragem aumentavam. Não percebia se seria a falta de energia ou uma fuga indeliberada. Procurou ajuda especializada e descobriu que tinha desenvolvido uma adicção à leitura - era só nos heróis dos seus livros que pensava. O que o psi não descobriu é que ele lia para não viver a sua vida!
segunda-feira, janeiro 09, 2006
Nunca na vida pensar tinha sido tão doloroso. Faltava-lhe a ginástica mental perdida em noitadas e copos. Só agora, aos 40 anos dava por isso. O corpo pesava cada vez mais. A cabeça também. Bastavam três gins para, no dia seguinte, não se conseguir levantar e ligar para a empresa a avisar que estava com enxaqueca oura vez. Este mês já tinham sido 3 vezes! E o estranho da situação é que este fenómeno só apareceu depois da data do seu aniversário.
Ele pensava em mudar. Assentar. Mas todas as semanas fazia amigos diferentes. Cada vez mais novos que o convidavam e ele, que não sabia dizer que não, ia. Bairro, 24... Sempre os mesmos caminhos!
No dia do seu aniversário também foi. Bebeu um pouco mais que três gins. Acordou em casa de alguém deitado num sofá verde. Saiu o mais depressa que pode, apanhou um taxi e foi deitar-se na sua cama. Dormiu dois dias seguidos e quando acordou o mundo pareceu-lhe diferente. E estava diferente. Só não conseguia precisar a diferença, nem conseguia sequer pensar no que seria essa estranheza que o invadia. A puta da idade... pensou cinicamente. Nãaaa... O que importa é a idade mental e ele sentia-se forever young como na música.
Na verdade, ninguém é forever young António! O tempo passa e não volta atrás, António! As vozinhas irritantes eram mesmo verdade. Dantes teria, simplesmente, ignorado. Agora, não conseguia. Porquê António, porquê?
Levantou-se, preparou um gin e foi tomar duche... pensar era, de facto, doloroso. Por quê fazê-lo? Qual a estúpida razão de começar, aos 40 anos, a pensar? Nãaaa... isso não era para ele! Preparou outro gin e foi trabalhar!
quarta-feira, janeiro 04, 2006
Não raras vezes ainda penso na minha infância. Vivíamos no meio da cidade e aos fins-de-semana íamos todos, em excursão, para a quinta da avó Nita. Éramos 5 irmãos, muito unidos, muito amigos, todos rapazes. Eu era o mais novo e, por isso, herdava roupas e brinquedos partidos dos mais velhos. Por outro lado, tinha a protecção e o mimo de todos e, embora naquela altura eu não entendesse bem o que isso significava, era feliz.
Só agora entendo que a vida não era toda felicidade. Só agora que decidi averiguar as minhas insónias, os meus medos absurdos, consegui entender que tudo não passava de uma fuga e de uma ilusão que a mãe inventou para que não percebessemos a sua agonia.
Os dias no campo eram passados entre brincadeiras e aventuras enquanto a mãe, na cidade, vendia o seu corpo para nos dar de comer. Ninguém desconfiava que uma senhora tão distinta pudesse sobreviver assim. A única questão que nos confundia era não sabermos do pai, mas alguém dizia que ele era Embaixador no Brasil e que o Brasil era muito longe...
Hoje as peças encaixam e fazem algum sentido. A mãe partiu há alguns anos e perdoei-lhe todas as mentiras. A única mágoa que guardo é a de, até hoje, não saber amar uma mulher!