quinta-feira, fevereiro 23, 2006
Tocaram à campainha. Ele nem se levantou. Era, provavelmente, o carteiro. Contas para pagar, a Dica da Semana e pouco mais lhe chegava à caixa do correio. Saiu de casa. Estava tão atrasado para o emprego que nem se lembrou de rodar a chave na caixinha pregada na parede. Um dia de Inferno. Já não suportava a repartição, os colegas, o gabinete sempre com o ar condicionado avariado! Mas havia uma notícia em sua casa, à sua espera e ele não sabia! E eu que sabia não tinha como avisá-lo!
O mundo gira mesmo quando não estamos presentes. As coisas acontecem e nós não precisamos de estar lá para as tornar verdade.
No fim do dia, abriu a caixa do correio. Uma carta. Uma convocatória? Um convite? Não conseguia perceber... a mente lia mais depressa do que olhos! Sabia que tinha que estar no tal sítio às tantas horas no dia tal! Uma luz no fundo do túnel. A possibilidade de mudar de vida. Mas por que raio não soube disto antes de ir trabalhar? Teria estado mais bem humorado, com certeza! Nos dias que se seguiram reflectiu muito. Preparou-se para todo o tipo de questões e verificou sempre o correio antes de sair de casa!
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
Era aquela chuva miudinha que lhe molhava a superfície, mas deixava o interior intacto... e era sempre assim que reagia às contrariedades. Vivia de aparências? Vivia bem e isso é que lhe importava! Mais tarde pensaria nas consequências que este comportamento lhe poderia trazer!
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Saiu. Naquela noite tinha que dançar. Não encontrou companhia e arriscou, pela primeira vez, ir sozinha. Não iria ao sítio do costume por vergonha, mas decidira que acabaria lá a noite desse por onde desse! Procurou um local agitado e com muita gente. Encontrou. Fundiu-se na multidão entre cubas livres e mojitos. Provaria que ainda era uma mulher apetecível e segura. Os convites para dançar sucederam-se. Declinou, simpaticamente, todos. Bastava-se a si própria. Ela e o copo!
Na hora limite sorriu ao rosto mais próximo. Convidou-o a ir a outro sítio - ao do costume e ele acedeu. Já pouco dançaram, mal falaram, apenas o corpo a balançar monotonamente a um ritmo pouco perceptível.
Acabou a noite num quarto pequeno e abafado. Fugiu assim que pode. Meteu-se no carro. Jurou que não repetiria a façanha. Mas repetiu. Saía às escondidas dos amigos. Procurava sítios e rostos novos. Perdia-se... Encontrou-se na noite em que se apaixonou. Nunca mais voltou a fazer o mesmo. Nem sente saudades.
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
As escadas estreitas na rua estreita. O mar ao fundo a espreitá-los. Ele num degrau, ela mais abaixo. Era uma despedida. Ele ia partir. Ela ainda ficava mais uns dias. Promessas de reencontros... ela não acreditou: um amor de Verão não tem continuação. Mas teve. Ele, afinal, telefonou. Visitou-a. Amou-a na medida exacta. Dançaram várias vezes nas matinées da discoteca. Depois, lentamente, afastaram-se. Sem mágoas. Sem dor. Apenas com a sensação de que a excepção confirma a regra.
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
Tudo ganhou uma nova dimensão. Bastaram 2 horas para transformar a sua vida. Finalmente, encontrou-se. Voltou a ser a pessoa que sempre tinha sido. Foi no meio de muita gente que isto aconteceu. Uma sensação de pertença, uma ligação que tinha perdido. Por outro lado, a solidão. O ritmo a invadir o corpo só. A voz a soltar-se. Esqueceu-se do mundo. Lembrou-se de si.
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
Ele era doce. Ela não. Cruzaram-se no barco para Cacilhas. Ela lia a Maria. Ele não. Aliás, ele não lia: dizia que dava muito trabalho - apenas legendas e rodapés de telejornais. Também lia uns poemas que vinham no papel dos rebuçados que comprava no quiosque perto da oficina onde trabalhava, mas isso não confessava a ninguém.
Empurraram-se uma vez na entrada do barco. Foi assim que se conheceram.
Depois de alguns encontros e alguns cafés tomados, ele apaixonou-se. Ela não. Nem sabia por que estúpida razão não se sentia atraída por ele. Ela que tanto queria casar e ter filhos! Ele nem por isso. Queria amar e ser amado... independentemente de tudo o resto.
Ele era muito doce, de uma doçura travestida de falsa dureza. Ela era simplesmente amarga, mas não sabia!
terça-feira, fevereiro 07, 2006
Esta é a hora em que me deixam sozinho e me levam os pesos do quotidiano. Prefiro ser livre e só. Nunca quis amarras. Nunca quis partilhar.
E a esta hora todos fogem para as suas casas, para as suas vidas. Eu permaneço aqui. Só. Tão só que poderia fazer tudo o que quisesse sem que nenhuma alma me incomodasse.
Gosto da solidão e sou feliz!
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Bebia, todas as manhãs, um copo de água morna com sumo de limão. Só assim conseguia manter a amargura que, pensava, lhe dava a personalidade que gostava de ostentar. Tinha tentado vinagre, mas não conseguia digeri-lo bem.
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
Rosto sujo, cheiro a lenha queimada, inquietação. Eram vários assim. Entraram num Teatro pela primeira vez. Olhos brilhantes, mãos cheias de sede de tocar os tecidos das cadeiras, as madeiras do chão... As luzes que se apagavam lentamente! A inocência misturada com agruras dos dias. Vidas de pouca felicidade. Naqueles momentos, os rostos iluminaram-se: sorrisos lindos! Doçura estampada em expressões envergonhadas. Piscaram-me o olho e eu chorei.
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
E a questão do momento é: ser ou não ser?
Talvez possa ser, mas, assim sendo, seria difícil conviver sem conflitos.
Assim é que eu sou e assim é que eu quero ser! Onde é que eu já ouvi isto?...
quarta-feira, fevereiro 01, 2006
A grupelha dos idiotas ia crescendo a cada dia. Homens e mulheres arrogantes, ignorantes, cheios de soberba. Pareciam os reis do Universo: uma trupe de super-heróis que poderia salvar o Mundo. E, se calhar, até podiam, já que o seu mundo se resumia às suas vidas, aos seus feitos, às suas ideias. Uma cambada de imbecis mal phodidos armados ao pingarelho! Depois, houve eleições lá na colectividade do Bairro e eles perderam. É que perderam mesmo: a soberba, a arrogância, só não perderam a ignorância que essa não se perde assim!